quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Sombras de um sonho

Ramos altos e frondosos
Ausentes na neblina morna dos pensamentos
A áurea fina desenha-se na margem quente
De cada sinal
Num bordado colorido de sombras
A flutuar no vazio

Cada folha
Cada fio de cabelo
Não é mais que a ilusão líquida
Que o sol decifra
Entre desenhos molhados
E algo vário e disperso como um sonho enlouquecido

As raízes crescem
Entre o silêncio petrificado
De um chão sepulcral,
Um sorriso dormente
No chão de cada palavra que seca sozinha
Entre um ramo velho e um sonho morto
Que floresce num novo sentido cada vez mais velho

Tudo é natural
Até a própria inaturalidade
Quando o vento escapa
E a razão desaparece entre as sombras garridas
De um sentimento incompleto

Todas as folhas respiram
O silêncio morno e doce da ilusão
Todos os cabelos envelhecem em silêncio
Sempre com o medo artístico de perder a cor
Cada vez mais viva e presente

Tudo está vivo
Até a própria terra que pulsa
Até o vento que fala
As palavras que ficaram por existir
que se perderam no horizonte
sombras de um sonho que morreu

PoReScRiTo

Nada Apenas

Rostos simples
Palavras grossas e quentes
Que aquecem os dedos amanteigados
Pelo inverno
Essa estação nostálgica onde o calor
Nos sossega
O calor de cada palavra antecipada
Cada frase antiga
Que estala no verniz do cadeirão, intemporal

A chuva que escorre
Nos meus olhos, nos meus dedos
Cada vez mais febris, onde as lágrimas
Deslizam como ondas
Quase verdadeiras
Quase como a personificação da tristeza

Um sorriso de mármore
Habita o céu
Triste e solitário
O tártaro cinzento aninha-se
Na lua, doente e mortiça

Tudo transpira e respira
A sua própria ilusão
A sua própria tristeza
No nevoeiro que se esconde
No vazio de cada palavra

Parece haver algo sucinto
Algo que se esconde
No sorriso molhado
De qualquer coisa
É como se algo imaterial paira-se
No ar
Enquanto a loucura dos homens
Está acesa
Como uma vela que morre na ilusão
--como se tudo fosse apenas nada--

PoReScRiTo

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Estação Morta

O mundo está doente
Envolto em névoa, indecente
Repleto de bafios cor de sangue
Silêncio molhado
Figuras febris, inconstantes, imprecisas
Tudo é uma doença que se propaga
Lentamente
Em cada gesto
Cada sorriso frio de quem já não está

E esta febre de verão nunca mais termina
E depois vem o frio
O silêncio atmosférico da chuva e do vento
O cheiro a almas mortas
Que descansam no chão cru e frio
Do asfalto húmido
Que apodrece regado pela acidez do céu

Tudo foge das suas palavras
Da sua geometria
Nada não passa do sonho e da mentira
Que cada vez são coisas mais parecidas
A ilusão perde o seu encanto
E nada mais é igual a si mesmo

Tudo desaparece na vertigem,
Incolor e deserta da alma
De quem procura um sentido para as coisas
Tudo é um maravilhoso castigo
Que nos prende
Por o fio muito frágil,
Que transpira o sentido

Que nunca vira chegar…

PoReScRiTo

domingo, 17 de maio de 2015

Trovador do Silêncio


O escuro tacteante
e o dedilhado que começa
no canto mais escuro da memória
os licores reluzem
em rápidos assombros marinheiros,
assomam-se aos balcões
poeirentos e sórdidos
e o sorriso navegante renasce
no canto da boca que transpira
a melancolia e loucura,

Vindo do fundo aguçado
de uma palavra sem hálito,
sem boca e sem motivo,
como um breve nada divagante
que escorrega no verdugo
da incerteza
nas unhas que tacteiam
na sombra sulcada de um sorriso

As palavras conspiram
contra uma ditadura qualquer,
mas a liberdade já é viva
nas ruas e nos dedos
que presos dedilham,
presos,
a uma melodia que sempre fora livre
mesmo antes da tristeza existir

Os olhos enchem-se de escuro
com pedras e terra por cima
como um muro de limos
que os esconde da coerência,
vivem nesta inocência
de não serem mais que escuro
com de nada um pouco mais
(como uma réstia de quociente)

O sangue esvaísse
no som frio de mais uma maré
mais uma fusa que surge
dentro das breves do mar
que começa e acaba
numa das vagas
de compasso findado
 (um calafrio) 

Toca um corpo vazio
dedos grossos e secos
de onde por vezes caiem
flores despidas e murchas
que as antigas valsas ainda pediam

Mais um sorriso desajeitado
que nasce de uma nota enganada,
perdida,
à procura de outra música qualquer 

Mais um copo passa
donde apenas se bebe vazio
que pende das bordas brancas
e desmedidas
sangue puro e transparente,
um silêncio moreno e velho
como uma palavra,

A noite vem a pouco
e pouco dura,
todavia fora pequena
embora a esperasse
ela partia sempre que as luzes
se fechavam
e os candeeiros iluminavam os assombros
e as premonições

Um choro agudo desliza
em seu dedos frios
onde talvez vivesse o inverno
a noite cabia no seu pulso
parado e sozinho
à espera de notícias da sua terra,
Ó navegador desajeitado e perdido 
em teus dedos de abstracção

Tudo fica parado
numa asa branca,
suspensa,
e numa breve se fica
o trovador do silêncio
que dentro dela dorme
e na sua beleza fica
até que seja de manhã
e um novo compasso venha
quase acidentalmente

O olhar rubro e doente
o respirar lento e tabagista
donde um leve fumo
se perde
nas conversas efémeras dos vizinhos,
os sorrisos calvos,
os rostos vazios,
presos na primavera
de uma ilha que ficara por descobrir

(o restelo chegou de longe e a sombra é tudo o que existe)

PoReScRiTo

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Sonho morto


Sei que estou sozinho
Na liberdade condicionada
Pelo meu corpo
Frio e cansado,
Um trapo velho
Que quer voar com as suas
Asas mortas
Perdidas no céu

Sei que sou uma solidão
Acompanhada de muitas
Outras,
Iguais a mim
Todos nós somos vida
Presa no olhar azul
De um céu triste e grave
que ilumina o nada que somos

Bebo a vida
Que se enterneceu no meu bigode
Sujo e sombrio
Que ficara como uma
Das muitas belas sagas
Da tristeza

Misturavam-se fios grisalhos de silêncio
Com gotas franzinas de vida
Que se entranhavam
Na carne húmida e abandonada
De um deus menor

Gostava de brincar
Enquanto estava desperto
E depois ao adormecer
Tudo se perdia num leve sono
Que me prendia á existência

E quando dormia
Nunca sonhava
Ou lembrava um sonho
Estava proibido de sonhar
De brincar com a alma
Enquanto o escuro prendia a noite
Neste seu abraço irreal à escuridão

Quando adormecia
O escuro inundava o quarto
Numa leve maré de sombras
Que silvavam
Nos meus ouvidos
Contando em curtos murmúrios
A história do silêncio

A chuva sussurrava ao longe
numa voz que não é a sua
fechava-se na janela embaciada
do meu quarto
confundindo-se no vidro
enevoado
do meu olhar

A saraiva cobria o escuro
Num leve sorriso
Prateado e incompleto
que mais parecia um incêndio
suspenso
que morria asfixiado
a um dos cantos da minha alma

Eu ficava sozinho
Meus cabelos e meus olhos
Ficavam da cor do escuro
E por fim todo eu era escuridão
Adormecida pelos abraços abafados
Do vazio
Que me sufocava lentamente
Como uma voz
Que me toca a carne
Ensonada e adormecida…

O meu sonho morria
E eu chorava no silêncio
Que me compunha
Ficava triste por breves
Momentos
Tocava os seus cabelos brancos
De nevoeiro
E soprava-os num instante morto
E perdido

Tocava-lhe as mãos pálidas
Melancolicamente fechadas
-E eu tinha saudade-
Saudade de não poderes vir mais
Brincar comigo
Quando adormecer

Estavas morto
De rosto perdido
Num pedaço infinito qualquer
onde o teu olhar cabia
E eu olhava-te
Nesta arte literal de morrer
Sentia a vida esvair-se
Do teu sorriso estrelado
Abraçava-te uma última vez
E nunca mais te vira…

Ardias no bulício escuro
De uma insónia
E depois desaparecias
Num voo fraco e impossível
Que rasgava a realidade
Na tua doce maneira de voar…


PoReScRiTo



sábado, 14 de fevereiro de 2015

Quando o fim vier

Quando o fim vier
virá como uma brisa
tocará-me levemente
no braço esquerdo
onde apoio todo um caos
humanamente belo

Metafísico olhar azul
irá adormecer
como um pedaço de
mar que partira
e meus cabelos azeitona
ali ficam
cada vez mais nevosos
e antigos

Quando o fim vier
um deus pequeno virá
dizer-me para sossegar
irá sonhar no meu cansaço
todo eu serei cansaço
e suor na sua chegada

e por fim,
a paz silenciosa e triste
de um sorriso que acaba
fechado nos braços
graves
de algo que partira

Quando partir,
ninguém saberá que parti
ninguém irá se lembrar
e chorar no meu peito
tudo por culpa minha,
por ser da raça das estrelas
e das nuvens
porque depois de me apagar
no vácuo
ainda viverá a minha voz

Nada se perdera afinal
um rosto se apagara
mas afinal
as suas palavras ainda existem
sempre longe de mim

Distantes da boca que as dissera
mas ainda assim voam
num lugar incerto
Num lugar verdadeiro
e vazio
como uma sombra,
dentro de todas as coisas

Sei que estou perdido
neste meu não ser
sou um fantasma
solitário
da inexistência
fechado no murmúrio
sepulcral das árvores
no luzir frémito e lúgubre
de um mar que morrera
apenas e tão somente
um átomo do vazio

Nunca mais verei
aquele sorriso branco
lá no alto
sempre luzindo
cheio de beleza e esperança
das minhas irmãs...

PoReScRiTo


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O sítio donde venho


Venho lá do alto
De onde os olhos
Não chegam
Venho devagar
Em passos que se afundam
No silêncio da terra

Os meus passos falam por mim
Como se revelassem cada sombra
Que eu perdera no caminho
Perdi muitas sombras
E muitos olhares
Que ficaram sozinhos de si mesmos

Não sei para onde vou
Apenas donde venho,
de longe
onde as memórias não existem
e o espaço é uma vaga memória
do tempo


Eu vim de longe
Além do fumo exonerável
E do nevoeiro fugidio
Que se escapou
Das ondas pela madrugada
Com o seu sorriso ladino
Levemente aberto para o fundo
De um cosmos perdido

Sou aquele que não é
Aquele que apenas sente
Aquilo que não vivo
cada átomo da sombra
que me persegue

Chego por fim
A este lugar nenhum onde me encontro
Ele fala-me numa voz
Sibilada
Como no sítio donde venho
Um sítio exterior impregnado
De coisas vazias
Um sítio confuso que se confunde nas minhas
Palavras
E depois por breves momentos
Não sei onde estou…
Como em tantos outros sítios

acontecera

PoReScRiTo

A cor da saudade



 A noite caía
Nos passos negros
Que revelavam
Este tão incompleto eu
Que a sombra escondia

Eu que me escuto
Que preencho os meus
Ossos
Com a chuva cinzenta que caía
Formando orvalho na minha alma
Sou algo de salgado
Algo de indelével

A sombra do mar

Cheio desta carne que não é minha
Uma carne próxima
Que me toca por dentro
De cada sonho
De cada olhar que o escuro clareia
Na sua imagem dispersa
E infinita

Eu ilumino o escuro
O ar respira-me levemente
Como se também fizesse
Parte de mim
A solidão abraça-me
Num estranho amor
De lágrimas silenciosas

E tenho saudade
Saudade de ter motivos
Para ter saudade de alguém
De alguma cor
Que nunca tornarei a ver
De um sorriso rasgado
Que morrera nos meus
Olhos presos
Nesta imensidão de pensamentos
Que se confundem no sentimento

Nunca pensarei em sentir,
Isso seria anular-me
Cegar-me com pensamentos
Inúteis
E frases vazias
Cheias desta metafísica do nada

Estou triste
Triste por a tristeza
Já ser uma coisa tão natural
Que já nem me apetece estar triste,
Não estou triste de todo
Apenas espero por aquele
Que sei que não vem
Apenas bebo o meu juízo
Numa felicidade estática
E passageira

(Finjo que estou feliz,
Estou cansado de estar triste,
E por breves momentos
Isso roça a felicidade)

Sinto-me como doente
Sinto tudo há minha volta a deslizar
Na voz fina e volátil
De um adeus
Uma sombra mutável
E escura… da cor dos meus pensamentos
( a cor de que tenho saudade, e que abraça as estrelas de cada vez que sonho)

PoReScRiTo

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A voz do vazio (Vox Inanis)


Por vezes é triste
qualquer felicidade
é como a voz eloquente
que me fala em tom
grave e silencioso,
de olhar sumido e disperso
no pensar dormente
e tremido
como um bafo líquido da luz

É um latido quente e fugaz
que crepita
contornado o vazio
e a esperança
que ficara esquecida
numa das gavetas do meu quarto...

Um verde alegre e primaveril
que esconde no seu
fino rosto
o olhar grave e distante
de um esquecimento

Um azul
claro e vivo
perfumado pelo silêncio
e pela erva aveludada
que ficara perdida no jardim
numa das ínfimas nuvens
que por lá passara

Um sorriso
que ficou perdido na alegria
de uma papoila
que à muito
murchara,

Apenas ficou o
esguio desenho dos
seus lábios
o seu vermelho deslizando na senilidade 
um beijo entre o silêncio e o vazio
um eterno abraço há própria loucura


Dizem que sou louco
de olhar carregado
e de estranhas palavras
sonho em alto
uma voz que não é a minha
uma voz do vazio

converso entre o linho
enrolado
do meu casaco de pensamentos
falo numa língua estranha
e ausente
como um lento murmurar
que nunca chega

como se escuta-se cada átomo
de mim
cada fio de inexistência
que o vento trouxera 
da imensa tristeza
de alguém...

Caía geada
sobre a minha própria imagem,
triste
Caía num manto
gelado e difuso
que me adormecia e sossegava
neste embalo da noite
a luz nívea
e poética
da lua
acendia-se para mais um adeus

Deitado na erva branca
fecho os olhos
e escuto a realidade
numa voz velha
que à muito se sumiu...
no tom grave das palavras
de uma divagação
profunda pelo éter do nada


Silenciada pelas ondas
e pelas marés
adormece uma voz salgada
friamente inventada
na sombra nívea do mar

(céu)

Caía o cotão velho
e o pó encardido dos mortos
na sombra branca e escura
como um céu invertido 
na sua própria contradição...

O céu revela
um abismo
que me adormecia
na sua vertigem
e que me abraçava em
tom de despedida
tocando-me cada palavra
cada artéria de sangue morno
e vivo...
que eu ocultava

PoReScRiTo