quarta-feira, 28 de maio de 2014

Luto branco


O sol seco
jazia na sua altura
jorrando as suas últimas lágrimas de luz
a sua chama apaga-se
na sua iluminada tristeza,
as labaredas adormecem no fitar do vento
e as suas folhas douradas descaem,
e tocam as margens quentes da sombra

As cores desmaiam no seu andar frouxo
juntam-se num uníssono
compondo as árvores que refletem o céu,
cantos marulham nas suas águas mornas
uma folha afoga-se na névoa
e desfaz-se em vértebras de silêncio…

O céu secou
no seu chorar crónico,
as gotas ténues desaparecem,
na pausa firme das ondas,
semeando os sonhos no ar
eles ali estão nos braços finos
dos sopros, habitando as suas feições vegetais

Também a minha carne se desfez
em sonhos de utopia,
eles desfolham-se na verdura
morrendo na sua igualdade

Ao longe uma cegonha passa
com as suas penas douradas
que deslizavam num voo branco
que cortava o rosto infinito do céu,
ela atravessa-me no seu luto branco
enquanto sonha a miragem…

Vejo bem por entre os galhos,
por entre os dedos de vento,
que pintam o céu,
eles, erguem o sangue minguante
do meu escuro húmido,
que adentra a luz singela do meu sorriso,
a luz desaparece no meu pensamento
e leva consigo todo o meu ser…

Figuras martirizam-se na roda crepuscular
das minhas manhãs,
a luz da ausência dilui-se no anoitecer perene
dos meus olhos… 
Enquanto me converto em penas 
líquidas que volteam pelo ar,
elas habitam-te, são as sementes
do teu luar de prata

Pequenas feições brancas tocavam-me,
vozes ácidas da cal,
envocavam a vestes brancas
desta morte invernal ! 

A noite desfilava,
as barcas reluzentes
 tingiam o céu de branco,
agora voavam em bandos
com o seu olhar vazio,
no céu enlutado de brancura...


PoReScRiTo 

terça-feira, 27 de maio de 2014

INFINITUS



Acendia uma vela de névoa
Ela luzia cândida
Pintando a noite clara
De um vermelho marginal,
Um olho de criança sonhava lá no alto
No infinito de um sonhar

Ergo as mãos frias e toco o céu,
Como os ramos ateus da minha aldeia,
Seguro um dente-de-leão
Que brotava das nuvens
Ergo-o bem alto acima das estrelas
Enquanto as suas pétalas invernais
Descaem para o rosto rubro do espaço,
O vento desejou acima dos homens,
Desejando no seu assobio metafísico
As labaredas do teu olhar…

Esqueci os teus cabelos de prata
Que varrem os meus olhos
Quando me esqueço de olhar,
O teu perfume a lima morreu
Por entre os pinheiros e ciprestes
Que anunciam a noite no seu bramir seco,
O meu sonhar morreu naquelas ruas passadas,
E agora mendiga nas suas paredes mórbidas

Talvez não pense...
Talvez não sonhe...
Talvez seja a figura do abstrato
A recordar o tempo em que ainda não havia tempo…
E apenas eu existia

Via no rosto dos ramos
O luzir frio de uma aparição ausente
Um silêncio uniforme habitava o Universo,
Eu contornava as suas flores abstratas
Deixando secar a ausência da sua precisão,
Depois de inúmeros silêncios
Nenhum mais existiu,
Nem os cânticos negros da noite
O conseguiram escutar...

 ...Estava tão somente o rosto perene
de uma criança que adormecia,
na jangada das águas do absoluto,
pequenos seixos brilhavam naquele escuro,
como estrelas que se perderam do horizonte...



PoReScRiTo