sexta-feira, 28 de março de 2014

Lavrador de noites

 

Dos campos brotam segredos nocturnos

Da alma a simples procura
A mente cavalga por entre securas e lesões
Em busca de algum ser em toda aquela pele moribunda
Olhei meus finos olhos
Eles visionavam no reflexo do luar 
toda a imagem da alma…

Via dali pela fresta plácida do meu olho cego,
Habitava a clareza delgada das espigas
Que se desfolhavam ao sabor do seu ser,
Eram pontos lívidos a nascer na cal pálida do sentido,
Nunca me olhara antes,
Meu corpo brilhante movia-se,
Evidenciando assim as falhas que compõem uma noite,

Ainda procuro nas reentrâncias
 Do meu corpo Astral
Procuro-me por entre o espaço que me divisa
Abas da pele do céu rasgam o meu corpo inverso
Asfixio-me na minha omnisciência
Deixando a descoberto um céu outrora mar

Olhei sentado o germinar de estrelas
Contei-as no silêncio da noite
Sepultei na terra negra  todas
As constelações mortas,
Dois olhos de sombra ali se perdiam
Naquela luz fraca que alargava,
Morria a composição firme dos cometas,
Velas apagavam-se no silêncio alquímico

Rezei na minha ausência
Esperando incansavelmente a minha espera
Morri ali…
Nas portas de lugar nenhum
Os meus tempos acabaram
Duas gemas opacas rasgaram uma vez mais
A planície negra,
Toda aquela carne vegetal ficara vazia
Todo aquele caule era a sombra
Do som estridente do meu próprio corpo…



PoReScRiTo 








terça-feira, 25 de março de 2014

Húmus


O branco indolente
Sopra como nuvens pelo céu
As casas pequenas ali ficam
Suspensas na linha da eternidade
Uma vela fria aquecia-me em pensamento
O seu rebrilhar tórrido iluminava
O veludo negro do teu caixão

Vozes finas germinavam na memória
Sombras cresciam nas paredes
Esqueletos da nossa própria ausência
Cresciam nos espaços vazios da minha vivência
Acordava atormentado
Na Visão imortalizada do sonho
E espero que o silêncio
Volte a adormecer-me

Cânticos negros deambulavam pela noite
O sangue de dor e de mágoa
Acendia-se na boca dos vivos
Via os teus lábios carnudos
Apagarem-se na nossa chama

Andavas eternamente na tua reacção
Morrias pelas ruas
Deixando em cada canto uma parte de ti
Ouve-se ao longe o rasgar da terra
O meu olhar fitava-o na vertigem da perdição
Caía lentamente no teu fosso

O sol nocturno cobria a nossa ausência
Deitámo-nos no nosso adentramento
Um lago de cal diluía-se na terra morta
Num desmaiar longínquo

Um sol negro tentou apagar as tuas vestes
Despiu-te no teu todo
Nem os teus ossos ficaram
Para contemplar o teu sonho indelével
Uma brecha escura rebrilhava na madrugada
Uma luz morria na tentativa de te acordar

Belas flores renascem na tua ausência,
O meu beijo morreu no teu olhar
Os teus cabelos esperam-me
Vejo te acordar para o sonho
Esperas-me em segredo,
Deitado nos pinhais
Esperas que o meu corpo cansado
Caia sobre o teu… 

Desço as escadarias do templo
Lá reza toda a minha vida
Lá vibram todas as coisas do meu olhar,
O último aroma cristalino esvaiu-se-me da alma,
Deito-me na relva fria e adormeço serenamente

No Olimpo…


PoReScRiTo


[ 1º Prémio Literário - Março 2014 - KINDER BUENO ]