quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Sepultário



Esquece essas coisas
Belas da vida
Elas nunca farão sentido
Para ti…

Escuta o sussurro ambíguo
Lembra-te do tempo
É a voz que te roça a carne
Nesse seu perfume umbilical
Nunca te toca
Tão-somente te deseja
E grava no escuro
Este seu silêncio de viver

O vento passa por mim
A brisa sopra pelas minhas veias
No ranger fino de habitar

Sei que me sou
Ao ouvir estes murmúrios cegos
Estes olhares surdos
 Da madrugada
O romper que há em mim

Está na hora da despedida…
De não mais ser
Naquele momento
 Em que mais me sinto

Agora pergunto-me quem fui
E de que serviu para mim viver
Todo a brisa acalma
Todo o horizonte vaza
Todo o olhar sossega
E nada em mim é eterno
Nada fica na minha eternidade

Sou vítima
Destas minhas pequenas eternidades,
Este vício
De eternizar
O rosto efémero
De um viver

O sótão está vazio
Lá brilham pequenos nadas
De olhar baço
Estão enterrados numa cinza
 De existir

Eu vivo nesta arte de me sepultar
Em pequenos bocados de mim
Que carrego com o olhar
E afogo neste ar incompleto
Do vazio,
Desço lentamente
Enterro-me em cada olhar
Na parede brilha o meu rosto apagado
E acabo-me neste nada de sepultar,
No afogar destas memórias esquecidas
Que me tecem

A cadeira de baloiço que apodrece
O cavalo de cristal que se esquece
As páginas de um sonho que adormece
Nesta miragem de viver,

Os silêncios mais profundos
Emanam da minha caixa de sonhos
Agora envolta em poeira,
Outrora imaginara uma estrela
Que brilhava no escuro quente da sua sombra
A caixa acendia esse sonho vivo
Que florescia ao silêncio de um adeus…

Entre farpas e fagulhas
Entre cinzas e pensares
Tempo porque foste tão carrasco!
Porque despiste os meus sonhos
De criança,
Agora só são fantasmas
Espectros dos meus dias
Que baloiçam no Inferno
 Submerso em alegria
  
Sou tecido a prata e a desespero
De ser aquele que não fui
E por onde o vento não passa

Por vezes penso que não senti
Que me esqueci de viver
Talvez nem tenha vivido
Porque o fim é o mesmo para aquele
De quem vive

Viver todos os dias cansa…
Preferia acordar por vezes
Neste meu estar vago
Num desses quartos onde dorme a eternidade
Um anjo me desperta
Com o seu manto bordado a céu
Os seus cabelos brilhavam a oiro
Como a seara da manhã
e o seu estar calvo
E eu vivo mais um dia
(como se nada fosse...)

Esta minha parte não é de mim
Este meu sangue não mais será
Meu sangue,
Nesta parábola de viver
Pensar sempre será a dor de ser
Nunca valerá a pena pensar
Porque o mundo não foi pensado para existir…

Fico aqui neste desentendimento
Dos astros,
Estou por ar perdido
No caos de uma manhã que termina
Num olhar de criança
 Que não mais irá tornar a voltar… 

PoReScRiTo