terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Cemitério de sonhos




(Pai é a terra em que morri…)

 (apaixonado pelo começo e fim do mar…)




 




 Agora sinto o incenso
De um Silêncio urbanístico,
Não o encaro,
Não me sinto, ele,
Fito-o com enorme desprezo
Sou um Silêncio alheio
O Silêncio que enche portos esquecidos
Onde espectros de som vagueiam
Ecoam nos espaços vazios daquele imaginário…

Silêncio por nada condicionado;
Só pela sua anormalidade,
Só pela sua incoerência,
Só por si…

O silêncio que rasa o absoluto
Um silêncio que se encosta
Á ombreira da porta
Numa das inúmeras nuvens do céu
Assobiando sons impossíveis
Passando pelas artérias finas
Dum ar indomável…

Enche-se este silêncio de som
Que é como a maré
Que enche as rochas gélidas da praia
 Um único e gélido silêncio,
Dum som frio mas reconfortante
Naquela junção de tempérias e corpos
De águas rochosas e águas líquidas,
De ventos cansados e ventos mortos,

Nas Primaveras em que o sol ardia,
Queimava as lamúrias nubladas.
Nuvens que se erguiam…
Aqueciam o meu espírito cansado
Já morria naquele frio congelado pelo cansaço
O sol da imaginação erguia-se
Libertava um inconsciente consciente
Ondas e conchas sussurrantes
Levantavam um frio omnipresente.
    
Muitos eram os que passaram
Com suas barcas nas minhas águas límpidas,
Elas mais transparentes que a própria transparência,
Levavam-me para uma perdição de olhar
Ela que outrora insípida enchera-se de sabor
E de alucinações clandestinas habitando nas barcas;

Guardo estas águas, esquecidas na sua existência 
Recompõem-se no meu ventre fragmentado,
Cheio de uma ternura solitária na sua pureza

…São tristes esses momentos…
Inúmeros barcos que dobram
Os inúmeros cabos da minha alma ramificada
Arrefecem pouco a pouco essas terras
Que abrem feridas no inócuo coração do mar
Companheiros de viagem
Almas que partilharam a sua solidão
Continuarei só…,
Mas numa solidão acompanhada,
Como se na minha campa
Lá inconscientemente estivesses tu,
Senhor do meu destino
Agora és carrasco e traidor do meu passado,
Assassino deitado na cama da morte…

Mataste-me na minha própria morte,
Deste um fim ao meu fim
Um ponto de final á minha palavra mais esperada (MORTE)!

Vivem lá suspensos num passado,
Nada mais…
-…Onde estão esses tempos? (perguntava em vão á minha alma)

A água fica de tal modo espessa
Que mais parece ser algo material
(coisa que não é, coisa que foi, coisa que nunca será)!
A água imaterial da minha alma,
Ele corre submissa rega a areia seca,
Das minhas praias solitárias.

Naufrágios e dilúvios á muito poluíram
Meus pensamentos (dominguista),
Afogaram as mais profundas raízes da minha alma,
Esses parasitas, que enamorados por outros mundos
Inflamaram toda uma grossa terra…de um mundo místico
E mitológico…

Temo a maresia distante…
Cheiro com pudor os seus limites ao longe
Ainda com instintos e sentidos de marinheiro
Embora também eles esquecidos,
(como é incrivelmente normal a minha ignorância)!
Marinheiro com medo da praia e das líquidas areias,
Dum mar alto…

Como um navegador que teme o mundo,
Como um português que teme o seu imenso mar,
Fiquei assim na perdição,
Tal foi ela que parti:
-NÃO seguirei pelo Ocidente comum a todos, ponto  de caminhada!
Seguirei pelas correntes marítimas
Do meu poluído espírito!

No final do meu caminho
Encontrá-la-ei morta e temerária,
Encontrá-la-ei amorfa, Morte…
Seu sangue negro sujo polui as águas
Por onde passo sinto no ar seus cabelos
Que se arrastam num mar de gritos psicóticos,

Sou livre de morrer nesta prisão que é o mar…
Serão aquelas as imagens
Que cintilaram na areia brilhante,
Negra e cintilante era a noite que pisava
Estas são as estrelas que iluminaram o meu sono…
Semiobscuridade da minha falta.

Um mundo cego se abria
A luz dos cegos,
A luz que não se ouve nem vê
Abro completamente os olhos,
 Estou cego…

Perdi-me na areia imensa,
Perdi as figuras do meu passado,
Uma colagem metafórica que sou Eu
Rastejo pelas dunas monstruosas
Elas ditam o meu caminho…

Temi um mar que me chamava
Obedecendo a um dos seus intentos,
Brinquei na minha alma
 Céu escuro da incoerência,
Grãos d´ areia compõem um céu simbólico
Roçam-se num cenário puramente lírico e teológico.

Como em criança brincava na areia
Meu teto, meu céu!
Meus dedos perdem a sensibilidade
Na areia elas não tinham qualquer temperatura,
Era febril no seu estado toda aquela
Insólita areia molhada.

Minhas mãos transparentes brincavam,
A água era molhada, pelo imaginário
Que Jesus me ensinou…
Construía pequenos mundos de areia
Sonhava insensivelmente…

Era português e lavrava
 As inférteis terras das palavras…
No tempo em que encarava a solidão
 Com olhos claros… numa nudez de alma e corpo.
Perdi a vergonha de ser homem!
Fragmentado, contrafeito na densa areia…

Deixei-me vender por aquela última imagem
Que tive em vida!
Apaixonei-me pelo começo e fim do mar
Pelo seu claro e velho sorriso…
Todo ele nu e metafísico!

Todo aquele horizonte
Que cobria o mar (meu pai)
Escondendo o que deu a descobrir
Aquele horizonte marítimo ocultava
Um imenso ponto infinito,
Um buraco no mundo e no espaço,
Desenha ‘o rosto de um mar.

Carreguei o imenso deserto que é o mundo
 Nesta estrada pelo universo
Um deserto que morreu velho
A ver o parto entre o areal e as brandas águas
A alma branca via-se a espumar naquela sofreguidão,
Fraca era em corpo a alma sucessora do mar…
Era Cristo que nascera…?
Como poderia também ele, nascer na morte!...

Meus olhos levaram anos a percorrer o infinito
 Atingiram uma velha praia que morria
Navegaram olhos navegadores,
As sereias,
Titãs dançam nas rochas da morte
Vulcões expelem o seu encantamento
Um sentido de solidão comum:
-só bebo da minha solidão! 

Sou filho da praia onde apenas morri…
Vivo na praia de prata que é o céu
Descrevo na areia por palavras,
Um mar com certeza muito mais belo!




PoReScRiTo